História e tradição das máscaras
O Entrudo de Podence é uma festas de transição entre o inverno e a primavera que atravessou a Idade Antiga, Média, Moderna e
Contemporânea. Deste longo percurso derivam as diferentes nuances desta festa que a torna única e irrepetível em nenhum outro lugar do mundo.
O Homem enquanto ser religioso, utiliza a máscara à milhares de anos. Vulnerável
perante a força da natureza e frágil perante o desconhecido, fabulizou concepções sobrenaturais para interpretar o mundo que o rodeava, dando origem a mitos, e usou os
rituais para recriar os mitos ciclicamente. É nesta recriação que
surgem aparentes disfarces, chamados depois de máscaras, como forma do sacerdote
interceder junto das forças oculta, fazer a ligação entre vivos e mortos, mas também
para convencer a comunidade do seu poder sobre o oculto.
Tais disfarces teriam um
aspeto zoomórfico, tal como os que vemos representados na arte rupestre. Metade homem e metade
animal, estas figuras zoomórficas não só surgem em rituais, como vão servir de recurso
para a representação dos deuses nas religiões politeístas, como a Suméria, a Egípcia e as
dos povos Indo-Europeus.
Com a descoberta da agricultura, a subsistência do Homem passou a depende da fertilidade dos campos, razão pela qual os rituais propiciatório de inicio de primavera passam a ganhar grande relevo. Nestes rituais, os Celta usavam máscaras com hastes de cervo representativas da fecundidade e renovação.
Os cervos têm uma evidente relação simbólica com a fertilidade e a ciclicidade uma vez
que as suas hastes caem todos os anos após a época da reprodução, no inverno, e voltam
a desenvolver-se na primavera com maior força e mais ramificações.
A figuração do cervo, usada em celebrações cíclicas, vai estender-se para lá da
Antiguidade, encontrando-se ecos da sua continuidade em determinações sinodais, na
patrística e noutros textos cristãos da Alta Idade Média, sob a designação de ceruulum
facere, isto é, fazer de cervo. Mas esta celebração haveria de incorporar ainda
características da cultura Greco-Romana.
As festas de inverno da abundância e da licenciosidade, surgem na Grécia antiga —
considerada o berço da civilização ocidental — associadas ao deus Dionísio. Os rituais festivos eram marcados pelo
enthousiasmós (entrada de um deus na mente dos crentes) pelo que a manifestação deste
fenómeno se traduzia em bailes frenéticos e orgiásticos ao som de música vibrante. Neste cortejo ritualizado, Dionísio e sua esposa Ariadne, eram acompanhados pelos sátiros que bebiam e dançavam lascivamente. Iconograficamente, os sátiros eram
representados por caudas, chifres, orelhas em bico, barbichas e pés de cabra, e tocavam
instrumentos como liras ou pandeiretas. Sexualmente insaciáveis, perseguiam as ménades
(adoradoras no culto a Dioniso).
Neste contexto, os sátiros representam o “lado selvagem” do Homem. São divindades dos
bosques e das montanhas, “descendentes de primitivos cultos da natureza”. Fiéis a
Dionísio, acompanham-no nos cortejos dançando, bebendo vinho e tocando instrumentos
musicais. Sempre sexualmente insatisfeitos, espreitam as ninfas e deusas e invadem o seu espaço tentando alcançá-las, instalando o pânico.
Sátiros e Pã, embora sejam diferentes divindades gregas, acabaram por ser identificados
em Roma como Fauno Luperco. As Lupercais Romanas, celebradas
a 15 de fevereiro em honra do deus protetor dos rebanhos, eram das festas mais antigas
da antiga Roma. Neste ritual os lupercos (jovens patrícios) corriam pelas ruas e
nas mãos levavam os februa (purificador), que consistiam em tiras de pele de cabra molhadas em
sangue, servindo para chicotear as
jovens mulheres procurando assim garantir a sua fertilidade.
Em 380 d.C., o imperador Teodósio I decretou o Édito de Tessalónica, onde estabelecia
o Cristianismo como religião oficial em todo o Império Romano, ao mesmo tempo que
abolia todas as práticas politeístas e mandava fechar os respetivos templos. Com este
édito, Roma abandona o seu extenso panteão, substituindo-os por uma só divindade.
Desta forma, todo um conjunto de rituais perdia a sua sacralidade e, a partir de então,
passaram a ser considerados pagãos.
Durante o longo período de afirmação do cristianismo, os novos clérigos procuraram
abolir ou reconverter as festas de origem politeísta. Embora dessacralizadas, as festas de
ano novo continuavam a ter uma importância lúdica e simbólica, o que fez com que, em
certas regiões, perdurassem como um costume, uma tradição.
Ao longo da idade média, os padres e bispos escreveram vários sermões condenado as festas de carácter pagão com recurso a disfarces femininos, de animais e de seres fantásticos e monstruosos. Neste período, os mascarados utilizavam as carcaças de animais, ou somente hastes como é o caso da figuração do cervo. Naturalmente, como o passar do tempo as pessoas passaram a criar as suas próprias máscaras, não dependendo assim da disponibilidade de carcaças de animais.
Em Podence, o material utilizado na produção de máscaras era o couro, isto é, a pele de um animal. A partir do couro é possível criar uma mascara na medida pretendida. A existente de sapateiro na aldeia também favorecia a produção de máscaras neste material. A utilização de máscaras de lata, também característico da máscara de Podence, possibilitava a qualquer pessoa produzir a sua máscara, devido ao reaproveitamento que era dado a, por exemplo, vasilhames e depósitos.
Na década de 90, deu-se um crescimento exponencial de produção de máscaras, devido ao crescimento do numero de caretos que então passaram a viajar por toda a Europa em espectáculos de animação. Nessa época, o couro entrou em desuso e havia muita lata disponível a um preço muito inferior, razão pela qual as máscaras de couro quase desapareceram.
Em 2014, retomei a confecção de máscaras de couro, em homenagem ao meu avô Rodolfo, que era sapateiro e produzia as máscaras de couro que eram usadas nos anos 60 em Podence.
Actualmente, faço as máscaras de couro e de lata com a minha companheira, a Sofia.
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